domingo, 19 de setembro de 2010

Ao som de Breathe - Anna Nalick

Chove e ela fica sentada ao lado da janela, olhando as gotas de chuva que lentamente escorrem pelo vidro. Se pergunta, em pensamento, como é que tudo chegou àquele ponto, como tudo virou nada. Num minuto viu seu mundo inteiro desabar. Frio. Não por fora, mas por dentro. Foi a única coisa que ele deixou ali. Frio e a certeza de que nada mais faria sentido na vida dela. E faria? Cada plano feito ficou pelo caminho. E tudo era tão ele ali naquela casa. Cada canto, cada cômodo tinha um pedaço dele. Um sorriso na porta da cozinha. O 'bom dia' no quarto, sempre às 7 da manhã durante a semana. O 'Boa noite' ao voltar pra casa. O jeito de olhar quando ela descia as escadas do quarto pronta pra sair. Tudo isso havia ficado pra trás. Tormento, solidão, dor e frio. Do outro lado da cidade, ele chora. Num quarto de hotel, num lugar impessoal, desconhecido ele encontra um pouco dela. O cheiro da sua pele ao sair do banho parece estar ali naquele lugar, infestando tudo. O lençol da cama tem o cheiro dela. O jeito que ela falava fica ecoando na cabeça dele. Frio, é o que ele sente. Frio, solidão e arrependimento. Ele sabe que tudo poderia ser diferente.


Chove, e ela não sabe mais o que fazer. Alguém toca a campainha. Ele, molhado pela chuva. Se olham. Naquele instante, percebem que um não existe sem o outro. Um existe dentro do outro. Estão juntos. Mais do que isso, são um único ser em corpos separados. O abraço acontece, seguido pelo beijo, intenso como se fosse o último e o primeiro da vida deles. E não é necessário dizer nada. Eles se lêem.

domingo, 6 de junho de 2010

Para uma avenca partindo.

Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver
as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa, olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualquer
atraso, sim, é bom evitar os atrasos, mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? Por isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender, melhor, claro que eu dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? Eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? Ah: sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente e nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia
destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas, espera um pouco, eu vou te dizer de todas as coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar muita atenção você não vai conseguir entender nada, sei, sei, eu também gosto muito do Peter Fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem, está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo você subir, continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai ......... ............ ............. ............ .......... ........... ............. ............ ............ ............ ......... ........... ............ ............ sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranqüila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê.

Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 24 de março de 2010

Diálogo da última noite em claro

- A gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver.
- Verdade. Mas sou tão boba, acabo me jogando e nao consigo me buscar. Consegue entender?
- Como você sabe, sim como você sabe, a gente, as pessoas, infelizmente têm, temos, essa coisa: emoções.
- Por várias vezes achei que precisava de umas férias do mundo, da vida, dos sentimentos. Me fechar num mundo só meu!
- Não, meu bem, não adianta bancar a distante: lá vem o amor nos dilacerar de novo..
- Não quero mais ser dilacerada, cansei! E também não quero saber de você hoje..
- Eu só quero falar com você, escute. Eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende?
- O que vai dizer? Pra tomar coragem? O que você diria no meu lugar? Já pensei tantas vezes nisso, tomei decisões, desisti. Ensaiei e não falei. Prometi e não cumpri.
- Não desista, vá em frente. Sempre há uma chance de você tropeçar em algo maravilhoso. Nunca ouvi falar em ninguém que tivesse tropeçado em algo enquanto estava sentado.
- Mas quero continuar sentada, posso? Você não tem idéia do que se passa comigo, Caio.
- E eu não sei explicar. Acho que é uma questão de amor. Como chegar para alguém e dizer de repente eu te amo para depois explicar que esse amor independia de qualquer solicitação, que lhe bastava amar, como uma coisa que só por ser sentida e formulada se completa e se cumpre? Pois se ninguém aceitaria ser objeto de amor sem exigências.. Acertei?
- Você me conhece bem demais. Mas ja desisti de amar as pessoas, a maioria não merece.
- Por isso eu acho que a gente se engana, às vezes. Aparece uma pessoa qualquer e então tu vai e inventa uma coisa que na realidade não é. E tu vai vivendo aquilo, porque não agüenta o fato de estar sozinho.
- É impressão minha ou não sou a única com problemas aqui? Anda, me fala sobre ela!
- Ela sempre fez o que quis. Mas não com... com agressividade, entende? quero dizer, ela está sempre tão dentro dela mesma que qualquer coisa que faça não é nem certa nem errada, é simplesmente o que ela podia fazer.
- E ela foi embora, te deixou e blá blá blá, acertei? E agora?
- Hoje eu acordei sem ter quem amar, mas aí eu olhei no espelho e vi, pela primeira vez na vida, a única pessoa que pode realmente me fazer feliz.
(De repente, um barulho!)
- Acho melhor você ir embora agora, Caio.
- Antes de ir, só mais uma coisa: diga o que você quiser, faça o que você quiser. Não diga nada, se achar melhor. Minta, não será pecado. Porque nem você nem eu somos descartáveis.
-Certo, lembrarei disso. Venha me ver mais vezes.

E sumiu, assim como surgiu.

terça-feira, 16 de março de 2010

Não consigo, não posso e não quero! Não consigo mais acordar todos os dias e perceber que tudo foi só um sonho, que você não estava aqui e que não estamos juntos. Que nada aconteceu nesse mundo.. só no que eu criei na minha cabeça, aquele no qual eu falo, faço e tenho tudo o que mais desejo, você. Não posso mais sentir essa agonia boa que me irrita! Não tenho motivos e, pensando bem, você nao merece tanto, sabia? Não se dá conta do quanto eu gosto de você, ou se dá e faz de conta que não, ou sabe e não assume, ou.. cansei dessas possibilidades impossiveis. E Não quero parar de sonhar com você quase diariamente, dormir e acordar com você na cabeça, respirar você e sentir isso nas veias... Nao quero parar de sentir isso que eu sinto só por você que nao sabe que eu sinto. Não quero que você pare de embaralhar minhas idéias embaralhadas e muito menos que suma dos meus pensamentos. Quero todas essas impossibilidades indo e vindo o tempo todo. E não quero que você saia do nosso mundo, o criado só pra nós dois.. Sem você nao tem meu mundo.. Odeio isso, sabia? E é isso que me motiva, é o que dá corda à minha caixinha de música. Sou aquela bailarinazinha que dança cada vez que a música toca, e você é a minha música.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

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Resolvi que hoje não vou postar algo meu.
Com essa modinha nova de Formspring.me, tive que 'caçar' uma passagem marcante de um livro e encontrei algumas. Elas são lindas, espero que gostem tanto quanto eu.

'É um anjo!...Ora, já sei que todos dizem isso de sua amada, não é verdade? Todavia, é-me impossível dizer a você o quanto ela é perfeita, e também o porquê de ser tão perfeita. Só isto basta: ela tomou conta de todo o meu ser.'

'Deixei-a, então, pedindo que me permitisse ir vê-la nesse mesmo dia. Ela consentiu e eu fui. Desde então, o sol, a lua e as estrelas podem continuar a brilhar, porém eu mais não sei quando é dia e quando é noite; o universo inteiro não mais existe para mim.'

'Ela me ama! E quanto eu me estimo cada vez mais, quanto... eu posso dizer isto a você, que saberá compreender-me.. quanrto eu me adoro a mim mesmo, depois que ela me ama.'

'Vou vê-la! Esta é a minha primeira exclamação da manhã, quando acordo, e meus olhos procuram alegremente o sol "Vou vê-la". E durante o dia inteiro, não tenho outro desejo. Em tudo, tudo mergulho nessa espectativa.'

'Às vezes não compreendo que possa outro amá-la, que ouse amá-la quando eu, somente eu, a amava, de um amor tão ardente, tão completo.'

'Ah, esse vazio horrível que sinto em meu peito! Quantas cezes penso: se eu pudesse uma vez, ao menos uma vez, apertá-la contra o coração, todo esse vazio seria preenchido.'

'Tenho tanto! E o sentimento que tenho por ela devora tudo. Tenho tanta coisa, mas sem ela tudo pra mim é como se não existisse.'

(Os Sofrimentos do Jovem Werther - Goethe.)

Por enquanto Goethe fala por mim, qualquer dia desses escreverei por/para alguém de novo.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Deve se ter a mesma impressão de quando olhamos as nuvens da janela do avião.
Surge uma vontade enorme de correr por cima delas... Chegamos a ter certeza de que é possível, elas parecem seguras.
Aí você se joga.
No primeiro instante, acredita que está voando.
E só depois, quando não há mais volta, percebe que estava caindo desde o começo..

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

(..)

-Eu te amo!
-Por quê?
-hein?
-Por que você me ama?
-Você é louca?
-Não! Anda, me diz!
-Dizer o que?
-Por que você me ama?
-Porque amo, oras!
-Não, eu preciso saber o motivo!
-Por quê?
-Porque eu tenho que entender o que eu tenho de diferente, o que eu fiz pra merecer isso, como despertei isso em você.. E então`? Por que você me ama?
-Porque você existe.